quinta-feira, 16 de julho de 2009

O trigésimo dia

Era uma tela de uns 50cmx50cm. Exibia clipes antigos, meados da década de noventa do mais recente imortal astro pop americano. Em projeção, Michel Jackson requebrava ferozmente. Depois seguia zumbis, e dava rosas à garotas negras com extravagantes penteados de cachos reluzentes.
Umas 200 cadeiras lotavam o auditório. Mas nem mesmo 40 pessoas sentavam nelas. No caderno de ponto, colocado numa mesa à esquerda da sala, umas 38 assinaturas. Caderno velho, capa preta, desses de atas. Riscado à caneta BIC azul, esperava que o deixassem descansar, tão logo o 50ª punho deitasse sobre sua página amassada.
Entrava-se pelos fundos, por duas portas que mais pareciam box de banheiro. Uma espécie de vidro jateado, branco, fosco. Maçaneta de puxar para baixo, comprida na horizontal. Manhã de quinta-feira. O motivo do encontro era uma assembléia geral extraordinária. Servidores do INSS.
Quando uma categoria entra em greve, não pode bater os trinta dias sem negociação. Começa-se a se cortar o ponto, reduzir salários, demissões são ameaçadas. É preciso ter um certo aval do chefe. No caso, o Governo Federal.
Daí que na reunião de Brasília que eles tiveram semana passada, conseguiram a suspensão do ponto eletrônico. E a formação de um grupo de trabalho, com gente do governo e gente da categoria. É preciso que no dia 30 de setembro estejam no papel, documentado e assinado, soluções ou contra-propostas para os desejos maiores: manter o trabalho em 30 horas por semana, seis por dia; fazer da gratificação ganha por produtividade salário real - ganhar FGTS, benefícios com ela também.
E, tá bom que na última greve de trabalho o único candidato à greve de fome não teve muito sucesso. Deve ser por isso que ele ganhou mais seis companheiros. Serão sete estômagos tão vazios quanto as carteiras de seus donos a partir de segunda-feira. "De algum jeito, precisamos sensibilizar o governo e conseguir o que pedimos. Essa é uma forma justa e demonstra força". Francismar e seus colegas acreditam nisso.
Os outros companheiros da categoria, atrasados pela chuva, chegam mais de uma hora e meia depois do combinado. MJ já tinha sido calado - no vídeo, claro -, e uns aventureiros cantavam odes à, digamos, simpatia forçada com Lula e alguns ministros.
Caderninho preenchido 50 vezes, 50 nomes, 50 bolsos esperançosos, a assembléia começou. E Roberto, que apesar de ter a mulher para pagar as contas e a faculdade da menina porque o menino estuda em universidade pública, suspira por seus 63% perdidos de salário. Quase metado do orçamento da casa. Isso, porque ele tem a mulher para pagar as contas. Dos outros 49, não sei.

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